"A Herança Bolena" de Philippa Gregory [Opinião Literária]
Título: A Herança Bolena
Autora: Philippa
Gregory
Editora: Civilização
Editora
Coleção: A Corte dos
Tudor (nº3)
Sinopse:
Uma
maravilhosa evocação da corte de Henrique VIII e da mulher que destruiu duas
das suas rainhas.
Estamos no
ano de 1539 e a corte de Henrique VIII teme cada vez mais as mudanças de humor
do rei envelhecido e doente. Com apenas um bebé de berço como herdeiro,
Henrique tem de encontrar outra esposa e o perigoso prémio da coroa da
Inglaterra é ganho por Ana de Clèves. Ela tem as suas razões para aceitar
casar-se com um homem com idade para ser seu pai, num país onde tanto a língua
como os costumes lhe são estranhos. Apesar de deslumbrada por tudo o que a
rodeia, sente que uma armadilha está a ser montada à sua volta. A sua aia Catarina
tem a certeza de que conseguirá seguir os passos da prima Ana Bolena até ao
trono mas Jane Bolena, cunhada de Ana Bolena, assombrada pelo passado, sabe que
o caminho de Ana a levou à Torre e a uma morte como adúltera.
Opinião:
Neste
terceiro volume da saga A Corte dos Tudor acompanhamos, como o nome indica, a
corte de Henrique VIII e o seu reinado sangrento. A autora mais uma vez explora
o papel da mulher nesta sociedade, destacando a importância da sedução e da
intriga para a ascensão na corte. A estória é narrada por três vozes que
complementam as diferentes perspetivas da narrativa: Ana de Clèves, Jane Bolena
e Catarina Howard.
Entre o
segundo volume e esta obra existe um salto temporal, correspondente ao
casamento do Rei com Jane Seymour, do qual
resultou o primeiro herdeiro masculino ao trono. Porém, a morte precoce de Jane
Seymour despoleta em Henrique a necessidade de
assegurar a sua descendência através de mais filhos. Para isso, encontra a sua
futura esposa em Ana de Clèves. Esta, desesperada por escapar à tirania do seu
irmão em Clèves (território germânico), aceita o casamento com um homem que
viria a detestar, num país cujos costumes e língua não domina. Esta foi
provavelmente a minha personagem favorita, na medida em que evolui de uma forma
consistente ao longo de toda a obra. Inicialmente apresenta-se como uma mulher
tímida, rústica, com uma educação extremamente conservadora, algo que choca
profundamente com o ambiente de folia, extravagância e sensualidade da corte. O
Rei rapidamente se sente desagradado por esta esposa tão cáustica e enfadonha.
No entanto, falha em perceber o quanto Ana pode ser carinhosa, inteligente e
carismática. Apreciei o seu carácter ponderado, a maneira como mantém a sua
dignidade mesmo quando profundamente humilhada e desprezada, mas principalmente
a forma inteligente como não se deixa manipular e influenciar pelas intrigas e
conspirações da corte. Talvez não possua a determinação inquebrável de Catarina
de Aragão ou a ambição desmedida de Ana Bolena, mas foi a sua inteligência prudente
e comedida que provavelmente a salvou do final sangrento e indigno das suas precedentes.
Por outro
lado, Catarina Howard é o completo oposto. Tal como Ana Bolena, Catarina é uma
das aparentemente inesgotáveis sobrinhas do Duque de Norfolk, o homem por
detrás de todas as grandes conspirações contra o Rei. Mais um peão introduzido
na corte para atrair o Rei e a sua riqueza, Catarina é provavelmente a
personagem mais irritante de toda a obra. Fútil, ignorante e preguiçosa, é frustrante
observar como com apenas a sua beleza e encanto consegue rapidamente ser o alvo
da paixão do Rei e afastar Ana de Clèves do trono. Contudo, no final, não
consegui odiar Catarina. No fundo, era apenas uma jovem de quinze anos, sem
grande experiência de vida, que foi manipulada e enganada, sem sequer se
aperceber da teia de intrigas e inimigos que foi tecida à sua volta.
Para
entendermos toda esta rede de manipulação e intriga, surge Jane Bolena, a
personagem que no livro anterior testemunha contra o próprio marido Jorge e a
sua cunhada Ana Bolena, acusando-os falsamente de traição ao Rei, de forma a
salvar a sua vida e a herança da família. É interessante como no volume
anterior esta personagem é apenas visível pela perspetiva de Jorge, Ana ou
Maria Bolena, enquanto nesta obra temos acesso às suas impressões contraditórias
sobre os Bolena e os motivos por detrás da sua traição. Mais uma vez na corte,
graças à influência do seu tio, o grande conspirador Duque de Norfolk, a função
de Jane é servir a rainha e, obviamente, assumir o papel de informadora e espia
para o seu tio. Jane revelou-se uma mulher fraca, constantemente manipulada
pelo seu tio e permanentemente afogada em remorsos pela morte do seu marido. O
seu declínio emocional é interessante de observar ao longo da estória, mas
acaba por se tornar algo repetitivo.
Um aspeto
muito positivo é a caracterização de Henrique VIII, sempre através dos olhos
das restantes personagens, que o descrevem como um homem violento, decrépito, incapaz
de aceitar o seu envelhecimento e que lentamente sucumbe à loucura. O declínio
gradual deste Rei, um homem que decide viver apenas ao sabor dos seus
caprichos, é percetível ao longo desta saga e neste volume atinge o seu auge. O
ambiente pesado e apreensivo da corte é meticulosamente retratado, evidenciando
a ansiedade permanente dos nobres em adular e agradar ao seu Rei para obter
riquezas e, principalmente, para sobreviverem às suas oscilações de humor.
Philippa
Gregory demonstra de novo a sua capacidade exímia para efetuar uma pesquisa
histórica rigorosa e interligar factos concretos com pormenores fictícios, sem
ser demasiado descritiva ou monótona. Todos os diálogos e detalhes são perfeitamente
credíveis, apesar de originados pela imaginação da autora. Os acontecimentos
adquirem uma sequência lógica e verosímil, levando o leitor a acreditar que
esta terá sido a realidade da época. Convém também ressalvar a hipótese de
todos os volumes da saga puderem ser lidos em separado e sem sequência rígida,
pois todos asseguram um enredo definido e completo, embora recomende sempre a
ordem original. Sem dúvida aconselhável a qualquer leitor que aprecie um bom
romance histórico!
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