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domingo, 31 de março de 2013

"A Herança Bolena" de Philippa Gregory [Opinião Literária]

Título: A Herança Bolena
Autora: Philippa Gregory
Editora: Civilização Editora
Coleção: A Corte dos Tudor (nº3)

Sinopse:
Uma maravilhosa evocação da corte de Henrique VIII e da mulher que destruiu duas das suas rainhas.
Estamos no ano de 1539 e a corte de Henrique VIII teme cada vez mais as mudanças de humor do rei envelhecido e doente. Com apenas um bebé de berço como herdeiro, Henrique tem de encontrar outra esposa e o perigoso prémio da coroa da Inglaterra é ganho por Ana de Clèves. Ela tem as suas razões para aceitar casar-se com um homem com idade para ser seu pai, num país onde tanto a língua como os costumes lhe são estranhos. Apesar de deslumbrada por tudo o que a rodeia, sente que uma armadilha está a ser montada à sua volta. A sua aia Catarina tem a certeza de que conseguirá seguir os passos da prima Ana Bolena até ao trono mas Jane Bolena, cunhada de Ana Bolena, assombrada pelo passado, sabe que o caminho de Ana a levou à Torre e a uma morte como adúltera.

Opinião:
Neste terceiro volume da saga A Corte dos Tudor acompanhamos, como o nome indica, a corte de Henrique VIII e o seu reinado sangrento. A autora mais uma vez explora o papel da mulher nesta sociedade, destacando a importância da sedução e da intriga para a ascensão na corte. A estória é narrada por três vozes que complementam as diferentes perspetivas da narrativa: Ana de Clèves, Jane Bolena e Catarina Howard.
Entre o segundo volume e esta obra existe um salto temporal, correspondente ao casamento do Rei com Jane Seymour, do qual resultou o primeiro herdeiro masculino ao trono. Porém, a morte precoce de Jane Seymour despoleta em Henrique a necessidade de assegurar a sua descendência através de mais filhos. Para isso, encontra a sua futura esposa em Ana de Clèves. Esta, desesperada por escapar à tirania do seu irmão em Clèves (território germânico), aceita o casamento com um homem que viria a detestar, num país cujos costumes e língua não domina. Esta foi provavelmente a minha personagem favorita, na medida em que evolui de uma forma consistente ao longo de toda a obra. Inicialmente apresenta-se como uma mulher tímida, rústica, com uma educação extremamente conservadora, algo que choca profundamente com o ambiente de folia, extravagância e sensualidade da corte. O Rei rapidamente se sente desagradado por esta esposa tão cáustica e enfadonha. No entanto, falha em perceber o quanto Ana pode ser carinhosa, inteligente e carismática. Apreciei o seu carácter ponderado, a maneira como mantém a sua dignidade mesmo quando profundamente humilhada e desprezada, mas principalmente a forma inteligente como não se deixa manipular e influenciar pelas intrigas e conspirações da corte. Talvez não possua a determinação inquebrável de Catarina de Aragão ou a ambição desmedida de Ana Bolena, mas foi a sua inteligência prudente e comedida que provavelmente a salvou do final sangrento e indigno das suas precedentes.
Por outro lado, Catarina Howard é o completo oposto. Tal como Ana Bolena, Catarina é uma das aparentemente inesgotáveis sobrinhas do Duque de Norfolk, o homem por detrás de todas as grandes conspirações contra o Rei. Mais um peão introduzido na corte para atrair o Rei e a sua riqueza, Catarina é provavelmente a personagem mais irritante de toda a obra. Fútil, ignorante e preguiçosa, é frustrante observar como com apenas a sua beleza e encanto consegue rapidamente ser o alvo da paixão do Rei e afastar Ana de Clèves do trono. Contudo, no final, não consegui odiar Catarina. No fundo, era apenas uma jovem de quinze anos, sem grande experiência de vida, que foi manipulada e enganada, sem sequer se aperceber da teia de intrigas e inimigos que foi tecida à sua volta.
Para entendermos toda esta rede de manipulação e intriga, surge Jane Bolena, a personagem que no livro anterior testemunha contra o próprio marido Jorge e a sua cunhada Ana Bolena, acusando-os falsamente de traição ao Rei, de forma a salvar a sua vida e a herança da família. É interessante como no volume anterior esta personagem é apenas visível pela perspetiva de Jorge, Ana ou Maria Bolena, enquanto nesta obra temos acesso às suas impressões contraditórias sobre os Bolena e os motivos por detrás da sua traição. Mais uma vez na corte, graças à influência do seu tio, o grande conspirador Duque de Norfolk, a função de Jane é servir a rainha e, obviamente, assumir o papel de informadora e espia para o seu tio. Jane revelou-se uma mulher fraca, constantemente manipulada pelo seu tio e permanentemente afogada em remorsos pela morte do seu marido. O seu declínio emocional é interessante de observar ao longo da estória, mas acaba por se tornar algo repetitivo.
Um aspeto muito positivo é a caracterização de Henrique VIII, sempre através dos olhos das restantes personagens, que o descrevem como um homem violento, decrépito, incapaz de aceitar o seu envelhecimento e que lentamente sucumbe à loucura. O declínio gradual deste Rei, um homem que decide viver apenas ao sabor dos seus caprichos, é percetível ao longo desta saga e neste volume atinge o seu auge. O ambiente pesado e apreensivo da corte é meticulosamente retratado, evidenciando a ansiedade permanente dos nobres em adular e agradar ao seu Rei para obter riquezas e, principalmente, para sobreviverem às suas oscilações de humor.
Philippa Gregory demonstra de novo a sua capacidade exímia para efetuar uma pesquisa histórica rigorosa e interligar factos concretos com pormenores fictícios, sem ser demasiado descritiva ou monótona. Todos os diálogos e detalhes são perfeitamente credíveis, apesar de originados pela imaginação da autora. Os acontecimentos adquirem uma sequência lógica e verosímil, levando o leitor a acreditar que esta terá sido a realidade da época. Convém também ressalvar a hipótese de todos os volumes da saga puderem ser lidos em separado e sem sequência rígida, pois todos asseguram um enredo definido e completo, embora recomende sempre a ordem original. Sem dúvida aconselhável a qualquer leitor que aprecie um bom romance histórico!

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